Texto 5 para responder às questões de 56 a 59.
----------------------------O riso
1------Eis a verdade: — o que sustenta, o que nutre, o que
-----dinamiza o futebol é a vaidade. Vejamos o juiz. É um
-----crucificado vitalício. Seja ele o próprio Abrahão Lincoln, o
4----próprio Robespierre, e a massa ignara e ululante o chamará
-----de gatuno. Dirá alguém que ele percebe um bom salário.
-----Nem assim, nem assim. Não há dinheiro que o compense e
7----redima, nenhum ordenado que o lave, que o purifique. E, no
-----entanto, ele não renuncia às suas funções nem por um
-----decreto. Pergunto: — por que esta obstinação? Amigos, a
10---vaidade o encouraça, a vaidade o torna inexpugnável, a
-----vaidade o ensurdece para as 200 mil bocas que urram: —
-----“Ladrão! Ladrão! Ladrão!”.
13-----O mesmo acontece com o craque, com o paredro,
-----com o técnico. O futebol os projeta e pendura nas
-----manchetes, e esta publicidade histérica constitui uma delícia
16---suprema. E ninguém é modesto, ninguém. Qualquer
-----jogador, ou qualquer dirigente, ou qualquer técnico tem a
-----torva e a vaidade de uma prima-dona gagá, cheia de
19---pelancas e de varizes. Eu disse que ninguém é modesto no
-----futebol. Em tempo retifico: — há, sim, uma única e escassa
-----figura, que, no meio do cabotinismo frenético e geral,
22---constitui uma exceção franciscana. Refiro-me ao esquecido,
-----ao desprezado, ao doce massagista.
1------A imprensa e o rádio falam de tudo, numa sádica e
25---minuciosa cobertura. Jamais, porém, um locutor, um
-----repórter lembrou-se de mencionar a atuação de um
-----massagista. Ele não merece, ao menos, uma citação
28---desprimorosa. Um bandeirinha consegue ser vaiado. Não o
-----massagista, que não inspira nada: — nem amor, nem ódio.
-----Dir-se-ia que o gandula é mais importante. E, no entanto,
31---apesar da humildade sufocante de suas funções, o
-----massagista pode ser uma dessas figuras capitais, que
33---resolvem o destino das batalhas.
-----------RODRIGUES, Nelson. À sombra das chuteiras imortais: crônicas
----de futebol. São Paulo: Companhia das Letras, 1993, p. 27 (fragmento).
No que se refere à análise morfossintática do período, assinale a alternativa correta.
No contexto em que se insere, “ignara” (linha 4) é uma forma verbal que significa rejeita.
Na oração “Um bandeirinha consegue ser vaiado” (linha 28), o termo sublinhado classifica-se em verbo intransitivo.
Na linha 25, “Jamais” corresponde a um adjunto adnominal.
Nas linhas 26 e 27, o termo “de um massagista” representa o objeto indireto do vocábulo “atuação”.
Em “Não há dinheiro que o compense e redima” (linhas 6 e 7), o vocábulo “o” consiste em complemento verbal direto da oração à qual ele se refere.
Lembram-se da história de Tristão e Isolda? O enredo gira em torno da transformação da relação entre os dois protagonistas. Isolda pede à criada, Brangena, que lhe prepare uma poção letal, mas, em vez disso, ela prepara-lhe um “filtro de amor”, que tanto Tristão como Isolda bebem sem saber o efeito que irá produzir. A misteriosa bebida desperta neles a mais profunda das paixões e arrasta-os para um êxtase que nada consegue dissipar − nem sequer o fato de ambos estarem traindo infamemente o bondoso rei Mark. Na ópera Tristão e Isolda, Richard Wagner captou a força da ligação entre os amantes numa das passagens mais exaltadas da história da música. Devemos interrogar-nos sobre o que o atraiu para essa história e por que motivo milhões de pessoas, durante mais de um século, têm partilhado o fascínio de Wagner por ela.
A resposta à primeira pergunta é que a composição celebrava uma paixão semelhante e muito real da vida de Wagner. Wagner e Mathilde Wesendonck tinham se apaixonado de forma não menos insensata, se considerarmos que Mathilde era a mulher do generoso benfeitor de Wagner e que Wagner era um homem casado. Wagner tinha sentido as forças ocultas e indomáveis que por vezes conseguem se sobrepor à vontade própria e que, na ausência de explicações mais adequadas, têm sido atribuídas à magia ou ao destino. A resposta à segunda questão é um desafio ainda mais atraente.
Existem, com efeito, poções em nossos organismos e cérebros capazes de impor comportamentos que podemos ser capazes ou não de eliminar por meio da chamada força de vontade. Um exemplo elementar é a substância química oxitocina. No caso dos mamíferos, incluindo os seres humanos, essa substância é produzida tanto no cérebro como no corpo. De modo geral, influencia toda uma série de comportamentos, facilita as interações sociais e induz a ligação entre os parceiros amorosos.
Não há dúvida de que os seres humanos estão constantemente usando muitos dos efeitos da oxitocina, conquanto tenham aprendido a evitar, em determinadas circunstâncias, os efeitos que podem vir a não ser bons. Não se deve esquecer que o filtro de amor não trouxe bons resultados para o Tristão e Isolda de Wagner. Ao fim de três horas de espetáculo, eles encontram uma morte desoladora.
(Adaptado de: DAMÁSIO, António. O erro de Descartes. São Paulo: Companhia das Letras, edição digital)
A misteriosa bebida desperta neles a mais profunda das paixões.
No contexto em que se encontra, o segmento sublinhado acima exerce a mesma função sintática do que está também sublinhado em:
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