Leia a tira para responder à questão.
(Beck, Alexandre. Armandinho Cinco. Florianópolis, SC: A. C. Beck, 2015, p. 33)
Vida média
Continuamos a acreditar que vivemos numa época em que a tecnologia dá passos gigantes e diários, a perguntar onde vamos parar com a globalização, mas refletimos com menos frequência sobre o fato de que o aumento do tempo médio de vida é o maior avanço da humanidade – e neste campo a aceleração supera a de qualquer outra façanha. Na verdade, o troglodita que conseguiu produzir fogo artificialmente já havia compreendido obscuramente que o homem poderia dominar a natureza. Desde a invenção do vapor ficou claro que conseguiríamos multiplicar a velocidade dos deslocamentos, assim como já se podia supor que um dia chegaríamos à luz elétrica. Mas durante séculos os homens sonharam em vão com o elixir da longa vida e com a fonte da juventude eterna. Na Idade Média existiam ótimos moinhos de vento, mas existia também uma igreja que os peregrinos procuravam para obter o milagre de viver até os 40 anos.
Fomos à Lua há muitos anos e ainda não conseguimos ir a Marte, mas na época do desembarque lunar uma pessoa de 70 anos já havia chegado ao fim da vida, enquanto hoje temos esperanças razoáveis de chegar aos 90. Em suma, o grande progresso ocorreu no campo da vida, não no campo dos computadores.
Muitos dos problemas que devemos enfrentar hoje têm relação com o aumento do tempo médio de vida. E não estou falando apenas das aposentadorias. A imensa migração do Terceiro Mundo para os países ocidentais nasce certamente da esperança de milhares de pessoas de encontrar comida, trabalho e principalmente de chegar a um mundo onde se vive mais – ou, seja como for, fugir de um outro mundo onde se morre cedo demais. No entanto – embora não tenha as estatísticas à mão –, creio que a soma que gastamos em pesquisas gerontológicas e em medicina preventiva seja infinitamente menor do que o investimento em tecnologia bélica e em informática. Sabemos muito bem como destruir uma cidade ou como transportar informação a baixo custo, mas ainda não temos ideia de como conciliar bem-estar coletivo, futuro dos jovens, superpopulação mundial e aumento da expectativa de vida.
Um jovem pode pensar que o progresso é aquilo que lhe permite enviar recadinhos pelo celular ou voar barato para Nova York, enquanto o fato surpreendente – e o problema não resolvido – é que, se tudo correr bem, ele só precisará se preparar para ser adulto aos 40 anos, enquanto seus antepassados tinham de fazê-lo aos 16.
Certamente é preciso agradecer a Deus ou à sorte por vivermos mais, mas temos de enfrentar esse problema como um dos mais dramáticos de nosso tempo e não como um ponto pacífico.
(Eco, Humberto. Pape Satan Aleppe: crônicas de uma sociedade líquida. Rio de Janeiro: Record, 2017)
© copyright - todos os direitos reservados | olhonavaga.com.br